Sunday 12 September 2010 0 comments
"A gente pode

morar numa casa mais ou menos,

numa rua mais ou menos,

numa cidade mais ou menos

e até ter um governo mais ou menos.

A gente pode

dormir numa cama mais ou menos,

comer feijão mais ou menos,

ter um transporte mais ou menos,

e até ser obrigado a acreditar mais ou menos no futuro.

A gente pode

olhar em volta e sentir que tudo está

mais ou menos.

Tudo bem.

O que a gente não pode

mesmo, nunca, de jeito nenhum,

é amar mais ou menos,

é sonhar mais ou menos,

é ser amigo mais ou menos,

é namorar mais ou menos,

é ter fé mais ou menos,

e acreditar mais ou menos.

Se não a gente corre o risco de se tornar

Uma pessoa mais ou menos". - Chico Xavier
Wednesday 8 September 2010 0 comments

A última crônica - Fernando Sabino (paráfrase)


Próximo a minha casa, busco refúgio em uma padaria para saborear um cappuccino. Como sempre, luto contra o ato solitário de sentar-me diante do computador e escrever. As palavras me assustam. Adoraria, só por alguns momentos, tecer com efervescência à Sabino ou Veríssimo, extraindo do cotidiano quadros e alegorias da essência humana, com o intuito de descerrar as cortinas que nos impedem de enxergar a vida com mais humanidade. Algo banal, corriqueiro. Frenética busca que esbarra em minha completa e total ausência de mim mesmo.

Nem mesmo as crianças que pedem pastel para um moço bem vestido na barraca da feira logo adiante, nem as buzinas, freadas, sons de batida de automóveis, xingamentos. Nada me inspira na busca pelo essencial. E, nesta ausência de ideias, sorvo o cappuccino, mirando o televisor que transmite um jogo de futebol de dois times inexpressivos da série B do Brasileirão, enquanto o verso do poeta fixa morada em minha lembrança: “assim eu quereria o meu último poema”.

Decididamente, não sou poeta e fugiram-me todos os assuntos. Percorro, mais uma vez, todo o ambiente com meu olhar, vasculhando minuciosamente cada fresta de pensamento para compor minha crônica.

Noto, bem ao fundo da padaria, um casal de nordestinos que se sentou ainda há pouco, numa das últimas mesas. Seriedade no olhar, traje humilde, usado somente em ocasiões especiais, ausência de palavras e gestos. Soma-se a presença de uma menininha de seus três, quatro anos, fita amarela no cabelo, vestido humildezinho, bem posicionada à mesa: sequer tem a curiosidade de olhar para o lado ou mesmo de piscar os olhos. Pai, mãe e filha. Três seres mirrados que formam uma das células da sociedade preparam-se para um evento que não se restringe somente a uma simples refeição para acabar-lhes com a fome estampada em seus rostos.

Redobro minha atenção. O pai conta vagarosamente as moedas que tirara de uma carteira, silenciosamente. Busca com o olhar o garçom, apontando um pedaço de bolo sob a grossa redoma de vidro. A mãe mantém-se estática, aguardando com paciência a resposta do garçom. Este, atentamente, anota o pedido em um bloco de jogo-do-bicho e se afasta para atendê-los.

Os olhos da mulher brilham, apesar de insegurança de sua presença naquele local. Ao meu lado, o garçom solicita o pedido do freguês ao atendente atrás do balcão, que resmunga algo incompreensível. Com uma má vontade de causar repugnância, pega o pequeno pedaço de bolo com a mão e arremessa-o no pratinho – um bolo de fubá com cobertura de chocolate, com data de validade bem próxima só pela aparência.

A pequena nordestina agora encara uma garrafa de tubaína e o bolo, deixados pelo garçom sob a mesa. Não falou, mas seus olhos questionaram os pais se poderia começar a comer. A mãe, receosa, remexe a bolsa por completo e retira uma vela, comprada alhures. O pai saca uma caixa de fósforos, mas espera. A filha, com a paciência de sempre, também espera. Como um animalzinho. Todos estão ocupados demais para observá-los, exceto eu.

São três velinhas brancas, pequeninas, colocadas desorganizadamente pela mãe no bolo. E, enquanto ela serve a tubaína, o pai trata de acender as velas com o último palito de fósforo, se observei bem. Ensaiadamente, a menininha repousa o queixo sob as mãos e apaga as chamas com um senhor sopro.

Mecanicamente, põem-se a bater palmas, olhar fixo no bolo, fio de voz para a canção, auxiliada agora, timidamente, pelos pais: “Parabéns pra você, parabéns pra você...” Pouco depois, a mãe retira as velas do bolo e guarda-as na bolsa novamente. A menininha rapidamente pega o bolo com as duas mãos e começa a comê-lo. A mãe a olha com os olhos repletos de encanto – ajeitando-lhe a fita no cabelo e limpando o farelo de bolo que caiu em seu colo. Os olhos do pai passeiam pela padaria e, subitamente, deparam-se com os meus. Titubeia alguns instantes, ameaça abaixar a cabeça, mas mantém-se firme no olhar e, por fim, se abre num sorriso.

Desta maneira eu quereria minha crônica: que fosse sincera como esse sorriso.

Uma história de fadas

  Era uma vez o País das Fadas. Ninguém sabia direito onde ficava, e muita gente (a maioria) até duvidava que ficasse em algum lugar. Mesmo ...

 
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