A jovem doutora
aceitou um posto no interior do interior. Era um povoado dividido por um rio,
que ficava perto da fronteira, mas não o suficiente para ser importante,
daqueles onde só tinham restado velhos. Casais de meia-idade para cima, homens
e mulheres encanecidos já desde os quarenta e poucos, em casebres pobres porém
limpinhos. Os filhos ou não existiam ou trabalhavam na cidade grande ou na
roça, bem longe dali.
⠀⠀⠀⠀⠀A jovem doutora começou com uma palestra sobre a
saúde da família. Como prevenir doenças, afastar ratos e mosquitos, a
alimentação mais nutritiva possível naquelas condições, essas coisas. Também
quais tratamentos e atendimentos estariam disponíveis ali. Alguns agradeceram a
ela por ter vindo cuidar deles; os demais assentiram, pegaram umas aspirinas, e
foram embora para casa.
⠀⠀⠀⠀⠀O problema começou quando chegou o primeiro lote da
droga anti-impotência para homens subsidiado pelo Estado. Os velhinhos ficaram
malucos! Começaram a fugir de casa (e de suas esposas) toda noite para visitar
o prostíbulo do outro lado do rio, sua potência sexual recuperada. A doutora só
ouviu falar disso em retrospecto, meses depois; então ela percebeu que não era
caso isolado; pelo menos demorou pouco até conectar isso com a frieza de
algumas pacientes mais velhas com ela e novos casos de HIV na região.
⠀⠀⠀⠀⠀Ela se viu na terrível situação de ter que dar aula
de educação sexual para idosos – a ideia de mostrar como usar camisinha numa
banana sempre a horripilou. Ou então ela podia tentar agir como um padre,
disciplinando os apetites carnais. Mas uma esposa deu a ideia salvadora: por
que você não deixa o remédio com a gente? A doutora topou. A
virilidade recuperada agora teria sacerdotisas responsáveis.
⠀⠀⠀⠀⠀ Um dia, o posto de saúde amanheceu arrombado.
Nada além de remédios, muitos remédios, havia sido levado. Estavam atrás da
pílula azul. Mas não a encontraram, porque a doutora sempre as levava consigo
para casa, numa maleta, por precaução. A polícia foi chamada; nada foi apurado.
Mas agora havia pessoas sem treinamento médico cheias de antibióticos e
medicamentos tarja preta na mão. A doutora fez correr a notícia de que estava
disposta a marcar uma troca. Todos os remédios roubados por todo o lote de
pílulas azuis que possuía. Não demorou até um bilhete aparecer embaixo da porta
marcando hora e local.
⠀⠀⠀⠀⠀– Ouve – disse ela naquela noite ao chefe do grupo
de três homens que veio vê-la. – Vou dizer onde está. Está tudo separado num
lugar que só eu sei. Mas me promete. Vocês têm que pôr camisinha se forem usar
por aí. E vir sempre pros exames de coração. Cardíaco não pode tomar isso.
Promete que vai dizer pra todo mundo.
⠀⠀⠀⠀⠀Eles prometeram. Ela contou onde estava, pegou em
troca os sacos plásticos com os remédios roubados. Estava quase tudo ali.
⠀⠀⠀⠀⠀Pouco tempo depois, um dos três homens presentes na
troca foi velado em casa depois de um fulminante ataque cardíaco. A médica
compareceu ao velório. Encarou um por um dos cúmplices ainda de pé. Saiu antes
de o álcool levar a melhor sobre o bom senso. Pode-se dizer que ela não
desistiu, não completamente; pediu transferência para outra cidade, maior que
aquela, mas ainda pequena.
0 comments:
Post a Comment