Saturday 2 February 2013

Sobre a morte e o morrer

 
O que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de
um ser humano? O que e quem a define? 

 
Durante as férias, tive a felicidade de encontrar meio que sem querer alguns textos de um escritor que admiro muito, o mineiro Rubem Alves. E um deles me chamou a atenção, especialmente por abordar um tema tão indigesto em nossas vidas: a morte.
Segundo Rubem Alves, com o tempo o ser humano aprende a lidar com a morte e passa a não temê-la mais. Todavia, o medo é substituído pela tristeza, pois um dia a morte baterá à nossa porta e, inevitavelmente, habitaremos a eternidade. Concordo com o escritor quando cita em seu texto o gaúcho Mário Quintana, poeta que abordou com extrema simplicidade a questão do tempo: "Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver." E a vida é tão boa para morrermos...
Pude sentir o abraço apertado que sua filha de apenas três anos lhe deu após lhe perguntar se ele sentiria saudades quando morresse. Assim como Rubem Alves, emudeci. E lágrimas saltaram dos meus olhos. Pois a saudade dói no fundo de nosso peito, pois a filha dele já sabia que a morte é onde mora a saudade.
Sentimento, aliás, descrito por Cecília Meireles: "E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega... O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias... Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto...”
O escritor destaca algo, porém, que chamou minha atenção: o medo do morrer. A morte acompanhada com sofrimento, camas hospitalares, junta médica discutindo procedimentos, aparelhos e tubos enfiados em seu corpo e, principalmente, sem a dor da solidão estampada nos olhos e gestos de familiares.
Assim como o escritor, outrora tinha muito medo da morte. Hoje não. Tenho muito medo do morrer. Especialmente do morrer inesperado, sem hora previamente agendada, vítima da inexperiência ou mesmo da crueldade de um assaltante. Ou de alguém incapaz de entender que a explicação dada pela pureza das crianças é a mais sensata de todas: a vida é bonita, é bonita e é bonita, música tão bem cantada por Gonzaguinha.
Nos últimos meses, tenho evitado ao máximo os noticiários televisivos. Não é que eu pretenda morar nos livros (se pudesse, não hesitaria em embrenhar-me no sertão de Guimarães Rosa ou nos prados de Érico Veríssimo) e evitar as tragédias cotidianas, mas reencontrei-me com a literatura para fugir dessa realidade atroz que me flagela a alma.
Dói ver uma mãe chorar a morte de seu filho, vítima de um ciumento infeliz. Dói ver duzentas e trinta e seis famílias enterrar seus entes queridos, enquanto autoridades e responsáveis diretos pela tragédia da boate em Santa Maria trocam acusações, culpam-se uns aos outros, como se isso fosse amenizar a dor que cada pai, mãe, esposa, amigo/a sente nesse momento. Dói ver o trânsito brasileiro matar mais pessoas do que em outros países onde ocorrem incessantes conflitos civis. Dói mais ainda saber que muitos desses motoristas infratores seguirão suas vidas mediante o pagamento de cestas básicas ou de fianças irrisórias. Acidentes acontecem. Imprudências, no entanto, podem ser evitadas se as leis fossem aplicadas rigorosamente. Dói saber que muitos adolescentes entram, cada vez mais cedo, no perigoso mundo das drogas, estimulados pelo álcool e pela influência de muitos “amigos”. Dói saber que sediaremos dois grandes eventos esportivos, a Copa do Mundo e as Olimpíadas, mas que infelizmente faltam investimentos em setores primordiais, como saúde, educação, habitação, saneamento básico. Dói saber que mantemos um dos parlamentos mais caros em todo o mundo, mas que nem sempre as promessas de campanha são efetivamente concretizadas.
A dor é inevitável. Mas não pode habitar o silêncio. É preciso que essa dor se liberte e se manifeste. É preciso que essa dor ganhe as ruas, as portas de colégio, os tuítes e as páginas de redes sociais, as capas de jornais e revistas. Mas não de forma sensacionalista, como ocorre na maioria das vezes. Mas de forma racional e capaz de modificar o pensamento de muitas pessoas de nossa sociedade.
Tal qual Rubem Alves, acredito no que dizem as escrituras sagradas: “Para tudo há o seu tempo. Há tempo pra nascer e tempo para morrer”. Temos nosso próprio tempo e devemos lutar para transformar cada dia em uma vida inteira, amando, respeitando, servindo, cooperando, fazendo com que nossa travessia seja serena e produtiva. Já morrer é extremamente difícil, ainda mais quando convivemos com a sensação de que algo nos falta: um livro a ser lido, uma viagem a ser realizada, uma palavra ou um pedido de desculpas a ser proferido.
Morrer é mais difícil ainda quando dependemos da escolha do outro, que na maioria das vezes não estudou, não é juiz, não é Deus: ele apenas aperta o gatilho e nos tira o direito de abrir os olhos pela manhã e contemplar o fascinante e emblemático nascer do sol, despertando-nos para um novo tempo, para uma nova vida. A vida apenas, sem mistificação.
 
(Texto baseado em crônica com título homônimo de Rubem Alves)













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